domingo, 30 de agosto de 2009

SÓ PALAVRAS
'A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só nasceste escravo.'
Fernando Pessoa


ELA TEM ALMA DE POMBA


Que a televisão prejudica o movimento da pracinha Jerônimo Monteiro, em todos os Cachoeiros de Itapemirim, não há dúvida.
Sete horas da noite era hora de uma pessoa acabar de jantar, dar uma volta pela praça para depois pegar a sessão das 8 no cinema.
Agora todo mundo fica em casa vendo uma novela, depois outra novela.
O futebol também pode ser prejudicado. Quem vai ver um jogo do Cachoeiro F.C. com o Estrela F.C. se pode ficar tomando cervejinha e assistindo a um Fla-Flu, ou a um Internacional x Cruzeiro, ou qualquer coisa assim?
Que a televisão prejudica a leitura de livros, também não há dúvida. Eu mesmo confesso que lia mais quando não tinha televisão.
Rádio, a gente pode ouvir baixinho, enquanto está lendo um livro. Televisão é incompatível com livro – e com tudo mais nesta vida, inclusive a boa conversa, até o making love.
Também acho que a televisão paralisa a criança numa cadeira mais que o desejável. O menino fica ali parado, vendo e ouvindo, em vez de sair por aí, chutar uma bola, brincar de bandido, inventar uma besteira qualquer para fazer. Por exemplo: quebrar o braço.
Só não acredito que televisão seja “máquina de amansar doido”.
Até acho que é o contrário: ou quase o contrário: é máquina de amansar doido, distrair doido, acalmar doido, fazer doido dormir.
Quando você cita um inconveniente da televisão, uma boa observação que se pode fazer é que não existe nenhum aparelho de TV, a cores ou em preto e branco, sem um botão para desligar. Mas quando um pai de família o utiliza isso pode produzir o ódio e o rancor no peito das crianças e até de outros adultos.
Quando o apartamento é pequeno, a família é grande, e a TV é só uma – então sua tendência é para ser um fator de rixas intestinais.
- Agora você se agarra nessa porcaria de futebol...
- Mas você não tem vergonha de acompanhar essa besteira de novela?
- Não sou eu não, são as crianças!
- Crianças, para a cama!
Mas muito lhe será perdoado, à TV, pela sua ajuda aos doentes, aos velhos, aos solitários. Na grande cidade – num apartamentinho de quarto e sala, num casebre de subúrbio, numa orgulhosa mansão – a criatura solitária tem nela a grande distração, o grande consolo, a grande companhia. Ela instala dentro de sua toca humilde o tumulto e o frêmito de mil vidas, a emoção, o “suspense”, a fascinação dos dramas do mundo.
A corujinha da madrugada não é apenas a companheira de gente importante, é a grande amiga da pessoa desimportante e só, da mulher velha, do homem doente... É a amiga dos entrevados, dos abandonados, dos que a vida esqueceu para um canto... ou dos que estão parados, paralisados, no estupor de alguma desgraça...ou que no meio da noite sofrem o assalto das dúvidas e melancolias... mãe que espera filho, mulher que espera marido...homem arrasado que espera que a noite passe, que a noite passe...


(Rubem Braga, 200 crônicas escolhidas. São Paulo: Circulo do Livro.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

SÓ PALAVRAS

"O que mais me preocupa não é nem o grito dos violentos; o que mais me preocupa é o silêncio dos bons."


Martin Luther King
APRENDENDO A PARAR

Ele só queria atravessar a rua
O motoqueiro parecia não saber disso
Estava atrasado demais para parar um segundo
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O ônibus chegou
Todos entraram empurrando-se
e uma senhora desceu quatro pontos depois
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Fila imensa no supermercado
O cliente agride o operador de caixa
Alegando que esperou demais
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Um homem ao lado de um carro novo
Seguranças sérios, pessoas de bem
O homem é espancado, ele era negro
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O menino pede um pedaço de pão
Alguém passa e nem olha
e toneladas de alimento são jogadas fora
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Uma epidemia que destrói sonhos
E nos obriga a parar
nem que seja para esperar a consulta médica
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Calma!
O mesmo que com a alma
É o que o tempo nos implora
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Contemplar o amanhecer
Viver o Sol de cada dia
Amar a música e a poesia que há no verbo parar
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Isso aqui não é uma corrida
Não se está aqui para ganhar
Mas para aprender
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E compreender que enquanto corremos
a vida passa
E que amnhã é tarde demais

Lucas Tadeu de Oliveira Maciel